As Catorze Práticas de Plena Consciência

by Thich Nhat HanhJanuary 5, 2025

Os Catorze Treinamentos de Plena Consciência são uma destilação moderna dos preceitos tradicionais do Bodhisattva do Budismo Mahayana, criados por Thich Nhat Hanh em Saigon, em 1966.

Monásticos e amigos leigos que fizeram um voto formal para receber, estudar e observar esses catorze treinamentos são conhecidos como “Membros da Ordem do Interser”. A Ordem do Interser, através da linhagem de Plum Village de Thich Nhat Hanh, pertence à tradição Linji (Rinzai) do Budismo Zen.

Os primeiros seis membros da Ordem eram colegas e estudantes de Thich Nhat Hanh, que trabalhavam com ele para aliviar o sofrimento causado pela guerra no Vietname. Ao ingressar na Ordem do Interser, dedicaram-se à prática contínua da plena consciência, comportamento ético e ação compassiva na sociedade.

Atualmente, esses Catorze Treinamentos delineiam uma maneira de praticar harmoniosamente em comunidade, seguida pelos residentes de todos os centros de prática monástica internacionais na tradição de Plum Village. Há agora mais de 2.000 homens e mulheres leigos Membros da Ordem do Interser ativos em comunidades locais ao redor do mundo.

Para saber mais sobre os Catorze Treinamentos de Plena Consciência e como estão sendo aplicados no mundo de hoje, visite o site da Ordem Internacional do Interser.


A Primeira Prática: Abertura

Conscientes do sofrimento causado pelo fanatismo e pela intolerância, estamos determinados a não sermos idólatras ou apegados a qualquer doutrina, teoria ou ideologia, mesmo as budistas. Comprometemo-nos a ver os ensinamentos budistas como meios orientadores que nos ajudam a desenvolver compreensão e compaixão. Eles não são doutrinas pelas quais lutar, matar ou morrer. Entendemos que o fanatismo em suas diversas formas é resultado de perceber as coisas de forma dualista e discriminativa. Vamos treinar-nos para olhar tudo com abertura e com a percepção do Interser, para transformar o dogmatismo e a violência em nós mesmos e no mundo.


A Segunda Prática: Não-Apego às Opiniões

Conscientes do sofrimento causado pelo apego às opiniões e perceções erradas, estamos determinados a evitar ter mente estreita ou presos às opiniões atuais. Comprometemo-nos a aprender e praticar o desapego às opiniões e estar abertos às experiências e perceções dos outros, para beneficiar da sabedoria coletiva. Estamos conscientes de que o conhecimento que possuímos atualmente não é uma verdade absoluta e imutável. A compreensão surge através da prática da escuta compassiva, do olhar profundo e do desapego às noções, em vez da acumulação de conhecimento intelectual. A verdade encontra-se na vida, e observaremos a vida dentro e ao nosso redor em cada momento, prontos para aprender ao longo de toda a nossa existência.


A Terceira Prática: Liberdade de Pensamento

Conscientes do sofrimento causado por impor as nossas opiniões aos outros, estamos determinados a não forçar ninguém, nem mesmo os nossos filhos, por qualquer meio – como autoridade, ameaça, dinheiro, propaganda ou doutrinação – a adotar as nossas opiniões. Comprometemo-nos a respeitar o direito dos outros de serem diferentes, de escolherem o que acreditar e como decidir. Contudo, aprenderemos a ajudar os outros a abandonar e transformar o fanatismo e a estreiteza de pensamento através da fala amorosa e do diálogo compassivo.


A Quarta Prática: Consciência do Sofrimento

Conscientes de que olhar profundamente para a natureza do sofrimento pode ajudar-nos a desenvolver compreensão e compaixão, estamos determinados a voltar para nós mesmos, a reconhecer, aceitar, abraçar e ouvir o sofrimento com a energia da plena consciência. Faremos o nosso melhor para não fugir do sofrimento ou encobri-lo através do consumo, mas praticar a respiração consciente e caminhar com consciência para olhar profundamente para as raízes do sofrimento. Sabemos que podemos encontrar o caminho para a transformação do sofrimento somente quando compreendermos profundamente as suas raízes. Depois de compreender o nosso próprio sofrimento, seremos capazes de compreender o sofrimento dos outros. Comprometemo-nos a encontrar formas, incluindo o contacto pessoal e o uso de telefone, meios eletrónicos, audiovisuais e outros, para estar com aqueles que sofrem, para ajudá-los a transformar o sofrimento em compaixão, paz e alegria.


A Quinta Prática: Vida Saudável e Compassiva

Conscientes de que a verdadeira felicidade tem as suas raízes na paz, na solidez, na liberdade e na compaixão, estamos determinados a não acumular riqueza enquanto milhões passam fome e morrem, nem a fazer da fama, do poder, da riqueza ou do prazer sensual o objetivo das nossas vidas, pois estes podem trazer muito sofrimento e desespero. Praticaremos olhar profundamente para como nutrimos o nosso corpo e mente com alimentos comestíveis, impressões sensoriais, volição e consciência. Comprometemo-nos a não jogar ou usar álcool, drogas ou outros produtos que tragam toxinas ao nosso corpo e consciência coletivos, tais como certos websites, jogos eletrónicos, música, programas de TV, filmes, revistas, livros e conversas. Consumiremos de forma a preservar a compaixão, o bem-estar e a alegria nos nossos corpos e consciências, bem como no corpo e consciência coletivos das nossas famílias, da sociedade e da Terra.


A Sexta Prática: Cuidar da Raiva

Conscientes de que a raiva bloqueia a comunicação e cria sofrimento, estamos comprometidos a cuidar da energia da raiva quando ela surgir e a reconhecer e transformar as sementes da raiva que residem profundamente na nossa consciência. Quando a raiva se manifestar, estamos determinados a não dizer ou fazer nada, mas a praticar a respiração ou caminhada consciente para reconhecer, abraçar e olhar profundamente para a nossa raiva. Sabemos que as raízes da raiva não estão fora de nós, mas podem ser encontradas nas nossas perceções erradas e na falta de compreensão do sofrimento em nós e nos outros. Contemplando a impermanência, seremos capazes de olhar com os olhos da compaixão para nós mesmos e para aqueles que pensamos serem a causa da nossa raiva, reconhecendo a preciosidade das nossas relações. Praticaremos a Diligência Correta para nutrir a nossa capacidade de compreensão, amor, alegria e inclusão, transformando gradualmente a raiva, a violência e o medo, ajudando também os outros a fazer o mesmo.


A Sétima Prática: Viver Alegremente no Momento Presente 

Conscientes de que a vida está disponível apenas no momento presente, estamos determinados a treinar-nos para viver profundamente cada momento da vida quotidiana. Vamos esforçar-nos para não nos perdermos em dispersão ou sermos arrastados por arrependimentos sobre o passado, preocupações com o futuro ou desejo, raiva ou ciúme no presente. Praticaremos a respiração consciente para estarmos cientes do que está a acontecer aqui e agora. Estamos determinados a aprender a arte de viver com plena consciência, tocando os elementos maravilhosos, revigorantes e curativos que estão dentro e ao nosso redor, em todas as situações. Desta forma, seremos capazes de cultivar sementes de alegria, paz, amor e compreensão em nós mesmos, facilitando assim o trabalho de transformação e cura na nossa consciência. 

Estamos cientes de que a verdadeira felicidade depende principalmente da nossa atitude mental e não das condições externas, e que podemos viver felizes no momento presente simplesmente lembrando que já temos mais do que condições suficientes para sermos felizes.


A Oitava Prática: Verdadeira Comunidade e Comunicação

Conscientes de que a falta de comunicação sempre traz separação e sofrimento, estamos determinados a treinar-nos na prática da escuta compassiva e da fala amorosa. Sabendo que a verdadeira comunidade está enraizada na inclusão e na prática concreta da harmonia de opiniões, pensamentos e fala, praticaremos para partilhar a nossa compreensão e experiências com os membros da nossa comunidade para alcançar uma visão coletiva.

Estamos determinados a aprender a ouvir profundamente sem julgar ou reagir e a abster-nos de proferir palavras que possam criar discórdia ou causar a quebra da comunidade. Sempre que surgirem dificuldades, permaneceremos na nossa Sangha e praticaremos olhar profundamente para nós mesmos e para os outros para reconhecer todas as causas e condições, incluindo os nossos próprios hábitos energéticos, que trouxeram as dificuldades. Assumiremos a responsabilidade pelas formas como podemos ter contribuído para o conflito e manteremos a comunicação aberta. Não nos comportaremos como vítimas, mas seremos ativos em encontrar maneiras de reconciliar e resolver todos os conflitos, por menores que sejam.


A Nona Prática: Fala Verdadeira e Amorosa

Conscientes de que as palavras podem criar felicidade ou sofrimento, estamos comprometidos a aprender a falar de forma verdadeira, amorosa e construtiva. Usaremos apenas palavras que inspirem alegria, confiança e esperança, bem como, promovam reconciliação e paz em nós mesmos e entre as outras pessoas. Falaremos e ouviremos de maneira a ajudarmo-nos bem como aos outros a transformar o sofrimento e a encontrar uma saída para situações difíceis. Estamos determinados a não dizer coisas falsas por interesse pessoal ou para impressionar os outros, nem a proferir palavras que possam causar divisão ou ódio. Protegeremos a felicidade e a harmonia da nossa Sangha, abstendo-nos de falar sobre as falhas das pessoas na sua ausência e questionando sempre se as nossas perceções são corretas. Falaremos apenas com a intenção de entender e ajudar a transformar a situação. Não espalharemos rumores nem criticaremos ou condenaremos coisas das quais não temos certeza. Faremos o nosso melhor para falar sobre situações de injustiça, mesmo quando isso possa trazer dificuldades para nós ou colocar a nossa segurança em risco.


A Décima Prática: Proteger e Nutrir a Sangha

Conscientes de que a essência e o objetivo de uma Sangha é a realização de compreensão e compaixão, estamos determinados a não usar a comunidade budista para ganho pessoal ou lucro, nem a transformar a nossa comunidade num instrumento político. Como membros de uma comunidade espiritual, devemos, no entanto, tomar uma posição clara contra a opressão e a injustiça. Devemos esforçar-nos para mudar a situação, sem tomar partido num conflito. Comprometemo-nos a aprender a olhar com os olhos do interser e a ver-nos a nós mesmos e aos outros como células de um único corpo da Sangha. Como células verdadeiras no corpo da Sangha, gerando plena consciência, concentração e discernimento para nutrir a nós mesmos e toda a comunidade, cada um de nós é, ao mesmo tempo, uma célula no corpo do Buda. Construiremos ativamente a irmandade e a sororidade, fluiremos como um rio e praticaremos o desenvolvimento dos três verdadeiros poderes – compreensão, amor e superação das aflições – para realizar o despertar coletivo.


A Décima Primeira Prática: Meio de Vida Correto

Conscientes de que muita violência e injustiça têm sido causadas ao meio ambiente e à sociedade, estamos comprometidos a não viver com uma vocação que seja prejudicial aos seres humanos e à natureza. Faremos o nosso melhor para escolher um meio de vida que contribua para o bem-estar de todas as espécies na Terra e que ajude a realizar o nosso ideal de compreensão e compaixão. Conscientes das realidades económicas, políticas e sociais em todo o mundo, bem como da nossa inter-relação com o ecossistema, estamos determinados a comportar-nos de forma responsável como consumidores e como cidadãos. Não investiremos nem compraremos empresas que contribuam para a destruição de recursos naturais, prejudiquem a Terra ou privem outros da oportunidade de viver.


A Décima Segunda Prática: Reverência pela Vida

Conscientes de que muito sofrimento é causado por guerras e conflitos, estamos determinados a cultivar a não-violência, a compaixão e o insight do interser nas nossas vidas diárias e a promover a educação para a paz, a mediação consciente e a reconciliação dentro das famílias, comunidades, grupos étnicos e religiosos, nações e no mundo. Estamos comprometidos a não matar e a não permitir que outros matem. Não apoiaremos nenhum ato de assassinato no mundo, seja no nosso pensamento ou na nossa forma de vida. Praticaremos diligentemente o olhar profundo com a nossa Sangha para descobrir melhores maneiras de proteger a vida, prevenir guerras e construir a paz.


A Décima Terceira Prática: Generosidade

Conscientes do sofrimento causado pela exploração, injustiça social, roubo e opressão, estamos comprometidos a cultivar a generosidade na nossa forma de pensar, falar e agir. Praticaremos a bondade amorosa, trabalhando pela felicidade das pessoas, animais, plantas e minerais, e compartilhando o nosso tempo, energia e recursos materiais com aqueles que necessitam. Estamos determinados a não roubar e a não possuir nada que pertença a outros. Respeitaremos a propriedade alheia, mas tentaremos impedir que outros lucrem com o sofrimento humano ou o sofrimento de outros seres.


A Décima Quarta Prática: Amor Verdadeiro

[Para membros leigos]:

Conscientes de que o desejo sexual não é amor e de que relações sexuais motivadas por desejo não dissipam o sentimento de solidão, mas criam mais sofrimento, frustração e isolamento, estamos determinados a não nos envolvermos em relações sexuais sem entendimento mútuo, amor e um compromisso profundo e duradouro. Resolvemos buscar apoio espiritual para a integridade das nossas relações entre membros da família, amigos e da nossa Sangha, onde haja apoio e confiança. Sabemos que, para preservar a felicidade de nós mesmos e dos outros, devemos respeitar os direitos e os compromissos de todos. Reconhecendo a diversidade da experiência humana, estamos determinados a não discriminar nenhuma forma de identidade de género ou orientação sexual. Ao ver que corpo e mente estão interligados, comprometemo-nos a aprender maneiras adequadas de cuidar da nossa energia sexual e a cultivar bondade amorosa, compaixão, alegria e inclusão para a nossa própria felicidade e a felicidade dos outros. Precisamos estar cientes do sofrimento futuro que pode ser causado por relações sexuais. Trataremos os nossos corpos com compaixão e respeito. Estamos determinados a olhar profundamente para os Quatro Nutrientes e a aprender maneiras de preservar e canalizar as nossas energias vitais (sexual, respiratória, espiritual) para a realização do nosso ideal de Bodhisattva. Faremos tudo ao nosso alcance para proteger as crianças contra abusos sexuais e para proteger casais e famílias de serem desfeitos por má conduta sexual. Estaremos plenamente conscientes da responsabilidade de trazer novas vidas ao mundo e meditaremos regularmente sobre o ambiente futuro dessas vidas.

[Para membros monásticos]:

Conscientes de que a aspiração profunda de um monge ou uma monja só pode ser realizada quando ele ou ela abandona completamente os laços do amor sensual, estamos determinados a praticar a castidade e a ajudar outros a protegerem-se. Estamos conscientes de que a solidão e o sofrimento não podem ser aliviados através de um relacionamento sexual, mas sim pela prática de bondade amorosa, compaixão, alegria e inclusão. Sabemos que um relacionamento sexual destruirá a nossa vida monástica, impedirá a realização do nosso ideal de servir os seres vivos e prejudicará os outros. Aprenderemos maneiras adequadas de cuidar da nossa energia sexual. Estamos determinados a não reprimir ou maltratar o nosso corpo, nem a vê-lo apenas como um instrumento, mas a aprender a lidar com o nosso corpo com compaixão e respeito. Vamos olhar profundamente para os Quatro Nutrientes para preservar e canalizar as nossas energias vitais (sexual, respiratória, espiritual) para a realização do nosso ideal de Bodhisattva.