Carta à Mãe Terra - Parte 2
"Nós e a mãe Terra somos Um.
A Terra é nossa mãe, nutrindo e protegendo-nos em cada momento - nos dando ar para respirar, água fresca para beber, comida para comer e ervas medicinais para nos curar quando estamos doentes. Cada respiração que inalamos contém o nitrogênio, o oxigênio, o vapor de água e vestígios do nosso planeta. Quando respiramos com atenção plena, podemos experimentar o nosso interSer com a delicada atmosfera da Terra, com todas as plantas, e até mesmo com o sol, cuja luz torna possível o milagre da fotossíntese. Com cada respiração nós podemos experimentar comunhão. Com cada respiração podemos saborear as maravilhas da vida.
Nós precisamos mudar a nossa maneira de pensar e ver as coisas. Precisamos nos dar conta de que a Terra não é apenas nosso ambiente. A Terra não é algo que está fora de nós. Respirando com atenção plena e contemplando o seu corpo, tu te darás conta de que tu és a Terra. Tu te darás conta de que a tua consciência é também a consciência da Terra. Olhe à tua volta - o que tu vês não é o teu ambiente, és tu.
Qualquer que seja a nacionalidade ou cultura que tu pertenças, qualquer religião que tu sigas, seja budista, cristã, muçulmana, ou ateia, todos nós podemos ver que a Terra não é matéria inerte. Ela é um grande ser, que deu nascimento a muitos outros grandes seres - incluindo budas e bodhisattva, profetas e santos, filhos e filhas de Deus e da humanidade. A Terra é uma mãe amorosa, que nutre e protege todas as pessoas e espécies, sem discriminação.
Quando você se der conta de que a Terra é muito mais que simplesmente nosso ambiente, você se sentirá tocado a protegê-la da mesma forma que o faria a si mesmo. Esse é o tipo de consciência, o tipo de despertar que precisamos, e o futuro do planeta depende se somos capazes de cultivar esse insight ou não. A Terra e todas as espécies na Terra estão em real perigo.
Porém, se conseguirmos devolver um relacionamento profundo com a Terra, nós teremos suficiente amor, força e despertar para mudar o nosso estilo de vida.
Todos nós podemos experimentar um sentimento de profunda admiração e amor quando vemos a grande harmonia, elegância e beleza da Terra. Um simples galho de cerejeira, uma casca de um caracol ou a asa de um morcego - todos testemunham a criatividade magistral da Terra. Cada avanço no nosso entendimento científico aprofunda nossa admiração e amor por este maravilhoso planeta. Quando podemos ver e entender verdadeiramente a Terra, o amor nasce nos nossos corações. Nos sentimos conectados. É esse o significado de amor: estar em unidade.
Somente quando nós nos apaixonarmos de verdade novamente pela Terra aí as nossas ações irão brotar da reverência e do insight da nossa interconexão. Ainda assim, muitos de nós se tornaram alienados da Terra. Estamos perdidos, isolados e sozinhos. Trabalhamos muito, nossas vidas são muito ocupadas, e estamos inquietos e distraídos, perdendo-nos em destruição. Mas a Terra sempre está lá por nós, oferecendo tudo o que precisamos para nossa nutrição e cura: o milagroso grão de trigo, o riacho refrescante, a floresta fragrante, o majestoso nevado pico da montanha, e o alegre cantar de pássaros do amanhecer.
Muitos de nós pensamos que precisamos de mais dinheiro, mais poder e mais status antes de podermos ser felizes. Estamos tão ocupados a gastar as nossas vidas perseguindo dinheiro, poder e status que ignoramos que todas as condições para a felicidade já estão disponíveis. Ao mesmo tempo, nos perdemos em comprar e consumir coisas que não necessitamos, colocando uma séria pressão no nosso corpo e no nosso planeta. Assim, muito daquilo que bebemos, comemos, assistimos, lemos ou escutamos é tóxico, poluindo os nossos corpos e mentes com violência, raiva, medo e desespero.
Da mesma forma que o dióxido de carbono polui o nosso ambiente físico, nós podemos falar da poluição espiritual do nosso ambiente humano: a atmosfera tóxica e destrutiva que estamos criando com a nossa maneira de consumir.
Precisamos consumir de tal forma que sustente verdadeiramente nossa paz e felicidade. Apenas quando formos sustentáveis como seres humanos, a nossa civilização se tornará sustentável. É possível ser feliz no aqui e agora.
Não precisamos consumir muito para sermos felizes, de fato podemos viver bem simplesmente. Com atenção plena, qualquer momento pode se tornar um momento feliz. Saboreando um simples respirar, tomando um momento para parar e contemplar o brilhante céu azul, ou apreciar inteiramente a presença de alguém que amamos pode ser mais do que necessário para nos fazer felizes.
Cada um de nós necessita voltar a reconectar consigo mesmo, com os seus queridos e com a Terra. Não é o dinheiro, poder ou consumo que nos faz feliz, mas ter amor e compreensão no nosso coração.
O pão na sua mão é o corpo do cosmos. Nós precisamos consumir de tal forma que mantenha a nossa compaixão viva.
E ainda assim, muito de nós consumimos de uma maneira que é muito violenta. Florestas são derrubadas para criar gado para o abate, ou para cultivar grãos para bebidas alcoólicas, enquanto milhões no mundo estão a morrer de fome. Reduzindo a quantidade de carne que comemos e o álcool que bebemos em 50% é um verdadeiro ato de amor por nós mesmos, pela Terra e pelos demais. Comer com compaixão já pode ajudar a transformar a situação que nosso planeta está a enfrentar, e reestabelecer o equilíbrio para nós mesmos e para a Terra.
Há uma revolução que precisa acontecer e ela começa dentro de cada um de nós. Precisamos despertar e nos apaixonar pela Terra. Fomos homo sapiens por muito tempo. Agora é hora de nos tornarmos homo conscientes. Nosso amor e admiração pela Terra tem o poder de unir e remover todas as fronteiras, separações e discriminações. Séculos de individualismo e competição trouxeram tremenda destruição e alienação. Precisamos reestabelecer uma comunidade verdadeira - uma comunhão verdadeira – uma comunicação verdadeira com nós mesmos, com a Terra e com os demais como filhos da mesma mãe. Nós precisamos mais do que nova tecnologia para proteger o planeta. Nós precisamos de comunidade e cooperação verdadeiras.
Todas as civilizações são impermanentes e devem chegar ao fim algum dia. Mas se continuamos no nosso curso atual, não há dúvidas que a nossa civilização será destruída mais cedo do que pensamos. A Terra pode precisar de milhões de anos para se curar, para recuperar o seu equilíbrio e restaurar sua beleza. Ela será capaz de se recuperar, mas nós humanos e muitas outras espécies vão desaparecer, até que a Terra possa gerar condições para nos trazer de novo em novas formas. Uma vez que aceitemos a impermanência da nossa civilização em paz, poderemos nos libertar de nossos medos. Somente então teremos força, despertar e amor que precisamos para nos unir. Estimar nossa preciosa Terra - nos apaixonarmos por ela - não é uma obrigação. É uma questão de felicidade, sobrevivência pessoal e coletiva.”
Thich Nhat Hanh